Cárcere, Crescente de maio de 2008.
Caro Cále-se!
Sinto o dom da aproximação. Estou sufocando. Tanta gente e suas grocerias, tantas celas e suas paredes riscadas escatológicamente doídas. A dor da revolta e sua gana de gritar, matar o que me indigna.Mas não, me calo, arrio as calças, me cago e engulo o choro.
Saio na rua, me dizem que estou "solta", que estou livre, que estou. Mudam as luzes, os faróis, as cores, as paredes. E porque a prisão me persegue? E porque todos murmuram o juízo? Ai, tudo me pesa. O choro escapa, às vezes, sem sentido, sem caber nos argumentos que resmungo.
Kafka lateja sob a pele. Não sou vítima, a digestão corre de maneira grave. Essa teia oleosa de raiva e ressentimento, parece tão engasgado no olhar de cada boca estúpida que se pronuncia. Parece tão longe daquilo que me acostumei a romper.
Todos os dias contava sobre velhas dores, e deixava marcas em lugares que o olho procura descanço.
Eu já dancei ao teu lado, tentei seguir o compasso e ganhar ritmo, mas ficar tão próxima só me deixou no contra-tempo. Eu me calei, me abri e engoli o choro.
Abraço
da sua
Eliane