Cata-ventos Lunares: 2008

Quadrado Aberto, cheia de dezembro de 2008.

Aos braços abertos:

Todos encantamentos ao redor
já sabiamos.
Todos encantamentos ressonando perto
eu já sabia.
Todos encantamentos de olhar próximo
agora são tantos, outra magia.

Há o que não muda, como diz a canção - o nós, e nós não mudamos. De novo a busca pela música, as trilhas de cheiro, cor e luz. Quase cinema. Mas sempre música. Agora, esse repetir me agrada. Como estruturas poéticas que não mudam, como o nosso corpo, que apesar de diferente, não muda, pois é sempre mudança.

Quantos já falaram sobre isso. Heráclito, Henry, Billy, Shubert, Bergson, minha mãe, Diego, Carol... Nossa, muito ouço, e essa "verdade" sempre me parece tão fresca, tão nova. Acho que é o ar fresco que me sopra sempre quando me deparo com "isso". "Isso", que é quase inefável de tão multiplo. Mas "isso" continua o mesmo, se repetindo... ai ai...

Invento novos dias. Parece a mesma coisa, mas nunca é. O tempo intenso, que me faz perceber que um ano é mais que décadas. Acho que os reencontros me deixam mais sensível à essas sensações, à essas reflexões sobre o tempo e sua memória cravada em mim.

E tudo isso é sobre o tempo, e tudo isso é sobre o medo e as ausências. E tudo "isso" é vida. Grande vida para nós, braços abertos, corpos entregues.

Como sempre, vos convido à dançar, cantar e claro, nos divertirmos.

Venham para o abraço!

Lili

Sutilezas, Ainda Minguante de novembro de 2008.

Luz e Sombra:

Pedi demais de vocês, bem sei... mas como iria imaginar que as velas, as estrelas cadentes, os dentes-de-leão, os números iguais, enfim todas as superstições inventadas por mim, iriam me responder profundamente. Eu rio, o que mais seria. Finjo estar serena, e aberta aos jogos de dados do acaso. Claro que não, estou em vigia. Coloco os meus olhos na linha de foco dos movimentos que circundam. Quero ante-ver, me policio. Me policio.

Mas é isso, logo mais haverá outros andares, outros passeios, outros raptos e rupturas, e quantos jogos de vocês! quantos desenhos emoldurados na minha pele! A vida é grande, os encontros maiores ainda. Me pergunto se todos os afetos capturados, os conselhos ignorados, as ajudas que não pude crer que viriam, enfim, se tudo isso é mais um romance. Como Miller, gero outro livro em mim. Outro livro. É fantástico sentir que consegui me livrar da repetição, me sinto criativa com a escrita da minha própria história.

Outras noites, outros cantos, outros olhos. "rasa na pele, profunda em vísceras". Não resta nada, bem sei (outros já sabem e me comunicam), vamos dançar, leve e docemente. "sou toda corpo".

Sombra, teu abrigo me coloca em situação de espectadora, ou melhor, uma espécie de observadora que às vezes pré-visualiza. Luz, me centras em foco... daí me divirto. Ai ai... dias longos, boas leituras, e todos pensamentos. Sabe, gosto mesmo é da nuance de vocês dois. A sutileza.

De quem escreve com tinta preta.

Eliane Rubim

Descondicionando, Minguante de Novembro de 2008.

Lua:

A moral da história que irei contar: separações criam belezas tristes. Marcos me mostrou um filme onde uma personagem dizia que as pessoas ficam mais bonitas quando vão embora. Fico triste contemplando algumas belezas desse tipo, mas a beleza me diz tanto sobre movimento, transformação, transmutação... daí não me permito uma tristeza estática.

Ando bucólica, é verdade, mas talvez com o todo. Me apaixonei de novo.

Isso quer dizer que estou escrevendo um romance. Não está em papéis amarelos, mas em folhas frescas. Estou aqui (presente) e fora, com meu terceiro e onipresente olho. "Vem dançar!", sim, saio do transe apaixonado, e danço. Os dias foram bons.

Assim é o mundo, alguns são palhaços, outros maus atores, e outros escritores. Às vezes, tudo junto (falo de mim é claro). Mas uma coisa é certa, quem mente sem sentir a mentira, é um artista frustrado. O fato é que não minto, mas especulo verdades. Me sinto no dever de tencioná-las, colocá-las em prova de existência. E como diz meu irmão "se tu imaginou, então existe".

Acabou.

Abraço minha cara, apareça mais vezes, que sempre estarei nua pra ti.

Lilith.

Em casa, crescente de novembro de 2008.

À Entropia:

Não tenho medo. Ando com o pisar suave e tranquilo. Sei que pode ser perigoso, afinal são tantas vias, veias e vasos aos pedaços pelo caminho. Durmo bem, como bem, respiro bem. Até a raiva me faz bem. Ganho movimentos expansivos, não faz calor só lá fora.

Dei meu terceiro primeiro beijo. "Se manifestó una noche loca en un local loco, del que siempre recordaré una única cosa, ni la música, ni el ambiente, ni la gente, sinó como caían gotas de agua del techo... que más tarde entendí que era el sudor que evaporado subía hasta el techo, se condensaba y volvía a la fuente de su origen, oséase, cuerpos sudorosos y desnudos de machos salidos. pero no, yo no me besé con uno de esos. bailando, bailando acabé en los brazos de un compañero de trabajo con el que había bastante feeling, y finalmente nos besamos, fue uno de esos besos que duran eternamente y en que las dos bocas parecen fusionarse con fuerza." Foi tudo isso, ou quase tudo. Dançamos em giros pelas ruas. Eu girei e entrei em casa, dormir poucas horas, e enfrentar mais poesia.

Cheguei, após andar alegre pelo sol, e me deitei na sombra de um gramado. Havia duas crianças (uma sincera, outra mentindo) fazendo música, me juntei. Cantei as canções "compassivas da minha língua esquecida". Me senti enorme e livre.

Assim não tenho medo.

Abraço

Lilith

O olho é grande, nova de novembro de 2008.

à quem (ou ao que) se preocupa:

Brindei minha tempestade de sofrer com escritas na pele. Agora chega. Ouvi os conselhos. E os segui.

Entumecer, entumecer. Não endurecer. (nada de heróis também, por mais que às vezes tudo isso pareça construções de um mito de mim) Nada de heróis.

"love will tear us apart (again)"

É bom escutar Joy agora, she's lost control me faz dançar novamente. Acho que é isso, tenho vontade de dançar novamente.

A noite de ontem foi esquisita, antes houve um passeio pela tardinha. Achamos um belo refúgio, assim como quando crianças, que buscavamos dentre a cidade agreste, um lugar úmido e ventoso para respirar e nos ouvirmos. Achamos esse lugar úmido e ventoso, onde há gramado, pedras, árvores na beira d'água, e cerveja gelada. Dez minutos de bicicleta e um lindo caminho. Depois, na volta, vi uma biografia numa tela grande. Bonita. Depois cansei, obviamente. As flores que colhi na volta do passeio murcharam. Eu também, então dormi.

Me acordei com uma luz forte, daí me lembrei que era sexta à noite. "Vamos sair?" me perguntou a luz forte. "É claro."

A noite foi esquisita, já disse. A polícia chegou, coagiu, e quando chegamos, havia poucos. Havia um tipo de silêncio intimidado. Bom, mas não tinha sono, então fiquei na rua sentindo as estrelas e conversando sobre...

Oh, I'll break them down, no mercy shown,
Heaven knows, it's got to be this time,
Avenues all lined with trees,
Picture me and then you start watching,
Watching forever, forever,
Watching love grow, forever,
Letting me know, forever.

Hoje foi dia de colocar, definitivamente, as coisas no lugar. Apesar de um pouco estranha, me sinto confortável. Escrevi um poema, e andei sozinha na rua, encaixando meus pedaços. Agora sou meu lugar (hoje e sempre).

Seguirei mandando notícias.

Abraço

Lili

Depois da Chuva Quente, Nova de Outubro de 2008.

À Senhora de voz rouca:


Vou a qualquer canto, e meus olhos humedecem. Pareço estar em todos os lados que olho. Me perdi no que sinto, tenho medo e não o tenho. Durmo e me vejo além. Olho meu corpo deitado ao lado de outro. Assusto-me em me ver, e me aconchego na companhia do outro olho. O sono está em pedaços, tem horas que já não sei mais o que fazer, e me encolho, e morro dentro de mim.

Não sei se tenho forças na ausência. Tudo se repetindo. Cruzo corpos antigos, envelhecidos, certa de que todos sofremos por brincar de entrega.

O gozo é alvo e respira breve. Eu que envelheço, e me torno cada vez mais insegura. Não era isso que eu imaginava. Pensava que amar de novo me deixaria mais calma, mais honesta com tudo.

Li um texto lindo de Priscilla, quase me roubou o ar. Chorei, pois... o que mais haveria de ser? Calor e frieza num mesmo toque. Soberba e embriaguez. Me vejo em cada palavra, só que agora há defesa. E de novo me recolho.

Ele saiu pela mesma porta de antes. Rindo, indiferente. Talvez leve. Eu não consegui mais dormir.

Penso agora que não tenho mais porquê me preservar, mas não tenho forças de me entregar aos silêncios, às esperas, às mentiras.

Talvez mártir, talvez judas. Brindemos ao equívoco!

De quem te olha pelos cantos

Eliane Rubim

Cristalina e negra, Minguante de Outubro de 2008.

Caro No-sense:

Repensamos o projeto Caos. É possível. Não importa o que tenha à tua volta. O amor sempre te amará.









Essa carta são citações. Tudo roubado, sem referências, pois penso: como referenciar se tudo faz parte do mesmo lugar, da mesma teia de acontecimentos, encontros e frequências.

No-sense, não comecei a pensar reto, de forma alguma, penso sinuosa, às vezes contraditória e hipócrita. Sou hipócrita por muitas vezes desconsiderar a memória coletiva, e inventar uma só minha. Agora me responda: Can you see? All the hearts that touch your cheek.

Eu não consigo... Parece cada dia mais claro os afetos e os desafetos por mim. Acho bom não ser alguém apático. Acho bom desaprender (e me desprender) das formas "padrão". Descobri que é preciso cada vez mais sutileza...

Quero te contar do meu convívio com os surdos. Não sei... bem por onde começar. Tenho a sensação que eles ouvem demais, e isso gera esse silêncio da escuta. Eles ouvem demais, e se comunicam, desesperados, através desse silêncio (que é só deles).

No começo eu tinha outras sensações, mas agora sinto isso mais presente, esse silêncio que nos aproxima.

Everybody bow your head
For the greatest inspiration
A complete contradiction
Of ways.

In this hole that we have fixed
We get further and further
For what we must do
I know this, I know this

You know this, you know this



Os dias são grandes. Grandiosos. Das flores, que no esgoto eram margaridas, agora na água podre do meu lar, são dentes de leão. Essas coisas me fascinam. O podre, a sujeira, a beleza, a transformação, a falta de sentido (aparente).

É no silêncio que trocamos...

De quem conversa contigo nas horas de entrega

Eliane Rubim.

Desvio, Crescente de Outubro de 2008.

às flores do esgoto:

sei de tudo. do ir e do vir... dessa eterna maré de cios e clios e ciclos intermináveis de rasgos, desencontros, fissuras, amores.
sei tudo.

as paisagens de cavalos selvagens. nossas pernas quebradas por buracos negros. meu corpo cansado e pesado. mas o ar entra direto. sem vias, sem cruzes e tubos de respiração. o ar me invade o peito: limpo e pleno.

as flores do esgoto

todo mal-ar. sei de tudo. o olhar ganha desvio na água. ora verde, azul, branca. depende do sol, do vento, depende da maré.

as flores do esgoto são pegajosas. se agarram aos meus pés que em ciclos passeiam.



é doce pestanejar em espaço aberto.

da sua

lili.

Um Globo e paredes vermelhas, Cheia de Setembro de 2008.

Cara Ágata:

Te queixavas do cansaço de tudo. Dizia da vida e da morte que carregas em ti. Eu escutei - tudo -, e apesar de longas pausas (goles, suspiros ofegados), a conversa mantinha costura e força. A conversa mantinha a costura espontânea, quase vomitada, de uma língua inventada e harmônica.

Descobrimos (novamente) que há uma língua comum. A vida não te apresenta nada de novo? Não... Não sabes.

Qual a urgência? Dizes que não é poetizar, por isso não mais a escrita. Então qual a linguagem agora?

Lembro-me de amigos invisíveis que minguavam pelo concreto da cidade cinza. E apesar de difertentes em muitas coisas, cultivavam em comum uma forte síndrome de Peter Pan. Por que não se quer crescer na cidade? Talvez porque o relógio engole os adultos operários, talvez apatia instituída.

Todos (frizo), todos! meus amigos invisíveis morreram, e quando em vez cruzo por seus fantasmas se queixando do cansaço.

E quanto cansaço...

Penso em todo saber acumulado. Penso nas noites que acompanhei tuas insônias. Tudo memória e invenção. E tu que inventas tão bem tua solidão, ágata. Pedra roxa, de dor, de hematomas, e feridas abertas.

Tenho algo mais a te dizer: é chegado os primos tempos, vamos colorir e compartilhar as nossas solidões.

De quem ressoa perto

Lili

A Caixa Vazia, nova de setembro de 2008.


Cara Lápide:

Lemos tudo que tua sombra escondia. Seguia passos vermelhos, mas isso é passado longe. E bem longe, já que de lá pra cá o vermelho desbotou e coisas grandes foram descobertas novamente.

Soube que dava noticias em meus sonhos, despertava tensa, peso nos ombros. Será que me dizes que morrer é pesado? Afundo, e nas profundezas ganho leveza no pensar. Outra veio e me disse que não há mais temores. Outro disse que tem medo de mim, mas não foje.

Eu fujo.

Não tenho medo da entrega.

Lápide, pensei no que escrever sobre o que está dito a tua sombra de noites mal-dormidas. E veja o que me veio:

Constança

As meninas conquistaram seus negros espaços.
E nada mais
nada mais cabe dizer.

(silencio pensamentos
na entrega pretendo sossegar)



Estou pensando em enviar de volta a caixa vazia que há tanto recebi. Talvez outro remetente. Talvez.

Da sua confidente

Eliane Rubim

A terceira volta, cheia de junho de 2008.

Minha Nega:

Olhei logo longe, parecia íntimo. Vislumbrei a idéia de que as coisas sempre retornam. As histórias se repetem, mudam-se apenas o nome dos personagens. A mesma história de dor e prazer.
É verdade sobre a vida ter movimento bumerangue.

Comecei a sentir a tarde logo cedo, talvez ainda fosse manhã. Tinha aquela luz branca, bons pensamentos, confissões, risadas, enfim, vários bons começos. Capturei com leveza as incertezas, e não busquei no desespero o tom do romance que escrevo junto aos dias.

Ao contrário, mantive a calma, o sorriso em esboço. Prazer e dor.

Lembrei do quanto andamos (e como andamos), e agora me delicio com a tragédia de humor seco que consigo aplaudir, e vivenciar de camarote. Ora, andar e andar. E eu que nunca entendi muito bem do porque tomar decisões idiotas, de levar as coisas até o fim.

Dessa vez o fim é entender que viver é singular, nunca mais andaras ao meu lado querendo minha sombra, nunca mais. Tu nunca serás igual a mim, minha vida não é tua.

Me sinto dona de mim, apesar de ainda ter as costas pesadas. Mas isso está breve, minha nega, não será mais assim.

Olho perto, mas tenho certeza de que tudo é leve, e belo ao seu modo.

de quem sabe dos ires e (principalmente) vires

Eliane Rubim

Cárcere, Crescente de maio de 2008.

Caro Cále-se!

Sinto o dom da aproximação. Estou sufocando. Tanta gente e suas grocerias, tantas celas e suas paredes riscadas escatológicamente doídas. A dor da revolta e sua gana de gritar, matar o que me indigna.

Mas não, me calo, arrio as calças, me cago e engulo o choro.

Saio na rua, me dizem que estou "solta", que estou livre, que estou. Mudam as luzes, os faróis, as cores, as paredes. E porque a prisão me persegue? E porque todos murmuram o juízo? Ai, tudo me pesa. O choro escapa, às vezes, sem sentido, sem caber nos argumentos que resmungo.

Kafka lateja sob a pele. Não sou vítima, a digestão corre de maneira grave. Essa teia oleosa de raiva e ressentimento, parece tão engasgado no olhar de cada boca estúpida que se pronuncia. Parece tão longe daquilo que me acostumei a romper.

Todos os dias contava sobre velhas dores, e deixava marcas em lugares que o olho procura descanço.

Eu já dancei ao teu lado, tentei seguir o compasso e ganhar ritmo, mas ficar tão próxima só me deixou no contra-tempo. Eu me calei, me abri e engoli o choro.

As palavras estão descolando dessas paredes.

Abraço

da sua

Eliane

O céu chora, fim de abril de 2008.

Ao longos tentáculos do sono só:

Caminhei infinitas tardes, por lugares decompostos, de uma cidade fantasma. Num mundo onde o apocalipse é contado, aguardado, praguejado, orado, eu saio nos momentos em que a luz é fogo. Não há dor, nem cansaço. Somente na hora do sono estou desconfortável, estou só.

O céu gradeado com cacos e arames farpados, me lembram que sonhar está bem próximo do chão, e há muito não vôo nos meus sonhos... e há muito não sonho.

Contar aos teus olhos
que cantei alto até que a terra
vibrasse

Contar aos teus pêlos
que expirei noites frias
até que o sol morresse.

Contar as tuas rugas
que rasguei os planos
até que a mentira cansasse.


Eu tomo cuidado com o que desejo, pois quero tudo, e me aprazo com o que o nada me dá. Além de vazios, e solidão... o nada me dá "livreza". Não é liberdade, não é tão grave assim, é algo livre, belo, leve e triste. Outros olhos que andavam fechados, semi-cerrados, querem abrir. Tenho uma anomalia em minhas mãos, tenho próteses mecânicas, tenho falares amputados, e prazeres também.

Sigo caminhando, teus tentáculos me fazem sonâmbula.

Convicta de coisas que não sei dizer, me despeço.

da sua
Lili

Clara-crocodilo, crescente de abril de 2008.

Tanto quanto do que falta:

As noites se recriam... pode parecer algo re-dito, mas me parece incrível o quanto enclausuramento e mudança de móveis transformam o mundo. Talvez porque mudam-se as sombras, muda-se os olhos, e os hematomas, antes roxos, agora amarelos.

Bom, o que queria mesmo, era poder te contar o que me passou atravessado hoje. Augusto leu pra mim um romance-cuspe de um amigo, e advinhe... me apaixonei pelo escritor. Ai... dificil. O fato que quero boqueteá-lo, e sei-lá-mais-o-que. Ai... quereres.

Noites que passaram me contagiaram de ganas. Hoje os móveis dançaram em ciranda, faz muitos dias que não saio de dentro de casa. Que não saio mesmo, pois pisar na rua, me embriagar, foder com notas descompassadas... bobagem, isso não é sair de casa, não pelo menos da minha concha.

Sem poéticas. Tenho vinho, tenho suor. Dizia também que é dificil escrever quando feliz. Não dificil, mas não me soa com sangue. Me soa apenas torpor. Eu penso, não existo. Pode ser tudo pura bobagem, a verdade que poucos prazeres não sufocam meu tédio, mas me ocupam por enquanto.

E por enquanto é isso que tenho, sem reclamações. Esse conforto passivo por enquanto ainda não me desmascara.

Gostei do romance-cuspe, não pela história manjada de drogas redentoras de paixões modernetes e perturbadoras... oras, escritores já deviam ter se acostumado com isso. Não existem verdades quando se trata de amor. Gostei do intenso desconforto. Me identifico com isso.

Vamos brincar nas noites de lua.

Da sua

Eliane Rubim

Paredes azuis, abril de 2008.

Escrevi a todos, notifiquei minha ausência. Agora remeto a mim, a carta que própria escrevo.

Cara Eliane:

Era tão profundo o azul da sala, principalmente sobre o que estava deitada. Azul indigo, escuro, marinho, petróleo, turquesa, celeste, florescente.

Escutava Gong pra voltar a superficie, mas esqueci que o azul onde meu corpo estava estendido era escuro.
Via a luz, a escutava também. Aquele giro sonido por trás dos meus ouvidos, aquele sopro contido, dum dia que claramente promete ser quente.
Estou de costas.

Agora vejo as horas, e sei que o dia não acordou pra mim. Faço quarentena da peste que me alegro em ter. Escrevo as cartas, escrevo as cartas. Exercício de escutar e calar. Também ver.

Só haverá outro dia desses, e quem sabe outra cousa se inicia.
Aos pouco voltamos a nos falar, esse é o meu primeiro sinal de fumaça. Ganhar repouso do tudo, me alegrar em ficar com o nada. Fiquei um pouco longe do meu lado, e do seu, mas ainda não nos sopramos as respostas certas, estamos transando, estamos sonhando.

É preciso se entregar minha cara.

Estamos sentindo...

Daquela que é teu amor e tua morte.

Eliane Rubim

Outras cores, nova de abril de 2008.

Meu amor por perto:

Não entendo muito bem como se dão os desencontros, muito menos as certezas de encontros, reencontros e desapegos.

A noite tem vezes que parece um vírus, olho pro lado e já não estamos mais ali. Abro os olhos, estou na mesma cama. Saõ outras cores. Os dias escuros estão de volta.

Eu era uma vagina com dentes, me pediu uma mordida. Depois que soltei sua pele, notei marcas de dentes largos e redondos, como aqueles que noite (outra) dessas sonhei. Era um sorriso branco de dentes grandes (todos) e arredondados. Era algo belo de ver.

Eu o mordi, mas penso que foi algo com veneno, como uma picada, pois assim que ele sentiu, olhei pro lado, e não estavamos mais lá. A distância se deu para o acaso. Isso parece se repetir.

Meu caro, não é estranhamento, o que sinto, é certeza que a vida secou em pó, e agora resta areia entre meus dedos que suam.
Quero barro para criar outros dias.

Bem longe, me despeço

Eliane

Rio Letes, crescente de março de 2008.

Ao que não é eterno:

Poderiamos ter um dia ruim, pois pensamos na miséria, na desigualdade e no cale-se. Pensamos nisso e rimos. O que era dor agora é arte.

Notei novos balanços: a inclinação da rua, a composição de desconfortos por conta da mentira, e o olho novo colado nessas paredes rotas.

“São todas essas questões que temos que pensar um pouco...” - O que isso quer dizer? O dia foi bonito.

A família vai bem. Luiza voltou com as drogas e seus fantasmas. Ah! aconteceu aquele andar estrangeiro, o tempo ajuda algumas coisas ficarem melhores do que antes. O tempo às vezes, persiste. Ele só não existe, eu sei, e fugaz, não é algo que longe de ti, eu conecte.

“Qual é o sentido de tudo isso?” Não serve. Essa é a resposta. Tudo isso, todas essas manifestações de medo, todas essas coisas que giram ao redor, não servem. Elas são. E são muitas, juntas e conectadas.

Daqui, bebo a àgua turva que é calma para sempre. E durmo. Já não sei se sonho, buscar perspectivas não me cabe.

Luiza compremeteu-se a mudar, buscou fazer quarentena de mim, e viajar por um ano pr'outros amores. Ela diz não haver mais luz, e Letes apenas lhe disse calmamente que tudo isso é bobagem.

Em busca de raízes, Alice cai no buraco da árvore.

da sua

Eliane Rubim



Um bom lugar, Minguante de janeiro de 2008.

Aos muros altos

Chega um momento que tudo oscila. A falta de tempo. As tardes longas, o sopro cinza. Só tenho vontade... de estar. O vento é forte e salgado. Só tenho vontade de me masturbar pra sentir minha irritação ir.

Hiroshima... Qual o nome disso? Memória. Memória do esquecimento. Consciência do esquecimento. O horror de tudo isso. O horror de esquecer ruínas da história.

Isso me lembra nossa casa.

Mas é do "hábito" esquecer, é irreversível e inevitável.

"Gosto de você, você está me matando. Você me faz bem..."

Hiroshima, morte e nascimento do amor: aquele caos que move.

E o corpo tem que estar lá, perto, misturando e criando fissuras. Só assim se apreende. Só assim. Consciente do esquecimento e da volta. Consciente do fluir, da pedra que liquifica. O fogo queima a memória. O fogo, a loucura, o amor, o caos.

Tudo isso provoca choque, trauma, fissura.

E da dor não há lembrança. Pelo menos não da sensação exata. As musas dormem, e é nesse sono que tudo se esvai, e foge de nós.

Agora quieta e serena me despeço

Eliane