Cata-ventos Lunares: abril 2007

Ainda há espaço, crescente de abril de 2006.

Caro Ausente Inimigo:


Tenho tido várias idéias. Elas se perdem. Retomo fantasmas antigos, que não me esquecem... Podia ser bem um fim, mas é sempre meio.

Assistia vozes que tocavam meu olho, nada mais, nenhum outro sentido. Assistia deus, ficou silêncio.

Eram bons começos, todos eles... resolvi investir no azul, que eixo nos dá a memória?

Nada que foi escrito se perdeu, ao contrário. Os processos do criar estão todos nesse vácuo dentro da memória. Tento me preocupar com os seus rumos, de promissores começos, mas acho que é mentira, isso não faz tanta diferença, foi bom pensá-los. Foi bom o corpo em ataque.

A palavra: superfície dérmica da idéia. E resolve escrever grandes tratados para mostrar a víscera da idéia... o profundo, a minúcia? Creio que não... a víscera se mostra simples, mas não facilmente. A idéia é vôo e canto e esferas e sombras e quente e agridoce... e são poucas as formações semânticas que conseguem reter, capturar um pouco de ossos além da pele da idéia. Pois tudo é toque, singelo toque, raspando as superfícies, fazendo o novo romper a falta de cor, a falta de sentido.

“Há intervalos, mas ficam entre os sonhos e deles não resta consciência alguma. O mundo ao meu redor está dissolvendo, deixando aqui e acolá manchas de tempo. O mundo é um câncer que está comendo a si próprio. Estou pensando que, quando o grande silêncio descer sobre tudo e todos, a música triunfará por fim. Quando tudo se retirar de novo para o útero do tempo, o caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a qual a realidade está escrita.”*

A violência é singelo toque, raspa a pele, e suja tudo de pó e sangue, pr’alguém depois sentenciar que foi tudo um equívoco. A única mesura que sinto é a intensidade. Muita sutileza... os frutos caem em meio ao calor, em meio a clones que florescem, em meio a gomos estéreis.

Se não fossem os shoppings centers, nem a vida nem a morte teriam sentido, e aí se estaria livre dos conceitos, livre dos equívocos, e livre do temor.

da também sua

Eliane Rubim



*Henry Miller

Passe de lua nova, abril de 2006.

Por último penso o destino, agora é tempo de canto. Viver essa escrita é molhar no sangue o pincel que relata crônicas de um cotidiano inventado? E por que não? A tinta é boa e o pincel tem uma insegurança que ao mesmo tempo harmoniza e defende o tempo.

Não é canto de dor, não penso que um dia foi. É pele de pensamento. Não cessa o sentenciar. Nunca acaba, o espelho terá sempre de ser quebrado, para que o sempre esteja presente.

Recordo qu’eu girava em torno de mim, ele fingia me ignorar. Subimos os montes. Não éramos morros. É difícil maturar. Às vezes pendo ao podre, talvez até caia no esgoto para sentir que sou crua. Mas não, não é essa podridão que eles falam, eu sei. Apodrecimento de mim, da pele-cabeça insistente infantil que briga com si no avesso do sorriso exposto. Encasulada choro, é difícil maturar.

É difícil quebrar meu rosto no espelho, mudo a parede, errei o soco.

Sinto algo me tomar de assalto. Vou cantar:

Baby
Red, red fire is what you breathe
Don't you want to be clean?

Daí sentamos nas pedras miúdas. Eu fiquei de joelhos, ele deitou e nos masturbou.

Don’t you want to be free?

O sol é tão quente e sozinho. Eu gosto disso. Vou tentar despir meus olhos em pensamentos. Sei que posso sentir a nudez. Sei também que “isso” não vai me matar.
Obrigada pela lembrança, nunca esqueci do destino. Escrevo para nós, minha cara solidão.


Abraço solar
da sua nova velha amiga

Eliane