Cata-ventos Lunares: março 2007

Perdi as luas, março de 2007.

Caro Tudo:


Revisitei memórias, corri sem força para receber a chuva, e onde estiveste todo esse tempo? As cores e seus jogos me dão a sensação de inconstância. Sei dos teus olhos, e navego nos meus, eles sugam nuances até mesmo quando os fecho. Sempre soubeste que assim vejo melhor. Sempre...
A medida que minha nudez desaparece, os segredos perdem seu sentido. Eu e essa imensidão de pele e vísceras, tudo um organismo só, tudo um sopro. Somente. Inventamos uma língua, lembra? Era divertido, será que ainda pode ser? Não.
Me recordo da lua, a nossa comunicação feminina, o nosso movimento sincronia. Quando a lua é cheia, nunca venta.

Cuerpo Exquisito
(Massot – Muñoz – Schcolnik)


Soltó la soga y allí apareció todo
se escurría por un huequito
Desapareció. Y una gota de sangre en pulgar
le recordó las tantas historias perdidas

¿Hay un lugar donde van las cosas que pierdo?
encendedores, amores, monedas, recuerdos

Los trazos en el suelo ordenan mis pisadas. Rebelde los pies
¡Se desesperan! Solitos emprenden una danza y el ribeteo le devuelve las memorias
a centímetros del suelo, recorro un lugar
hay viejos con sombreros, olor de almendras y leche caliente. Suena música de cascabel

Mil secretos me contaron, miles las lágrimas y aún el sueño mudo
Prendo el velador para entender y los fantasmas desaparecen

un espacio vacío con paredes de inmensidad. Un cuerpo que es boca fresca,
silba la soledad.
Siempre fue el quien me dejó desnuda.


Me encanta a sonoridade do que desconheço, me encanta seu toque, me encanta tocar. A estranheza me propícia conforto e total entrega. Vamos falar sobre, ninguém tem que justificar nada, eu só quero tua esquisitice.
Tão breve, visarei estar.
Gprákhæ!
da sua
Eliane

Se correr o bicho pega, nova de março de 2007.

Caro Nada:


Não vejo os aliados. Tenho a singela sensação de nadar com tubarões. Isso não é leve, com toda a certeza.
Criei um estranho hábito de desconhecer o que me parecia cotidiano. Tenho medo de não ter mais no que confiar, me entendes? A todo instante penso sobre as sociedades de controle e a produção de subjetividade capitalística, mas não sei porque, sempre acabei por ter isso como longe da minha configuração. Pelo menos era assim, até poucos dias. Tenho a sensação que as peças da máquina de consumo estão dentro do círculo que considero sagrado, que é o círculo das amizades. Desconfio plenamente que não tenho amigos na minha volta. E isso não é nenhum tipo de paranóia, pouco tenho me drogado e bebido café.
Sinto que todos agem de forma faminta para se beneficiar, e eu fico com náuseas só de pensar. Além de sentir todos meus sonhos-de-olhos-abertos escaparem correnteza abaixo.É preciso se aliar, diz o sábio; eu o respeito intensamente, mas anda difícil... bem difícil. Eu temo ainda mais, por sentir que um dos meus fortes aliados está se entregando pelo sugo colapso do planeta terra.
Até então não tinha sentido o frio de ficar totalmente só, de peito aberto diante à artilharia.Eu preciso ser além de um pulmão, defender-me apenas não basta. Preciso do grande aliado ao meu lado, pois temo ser sugada de vez por um colapso estrutural.
Pensei muitas vezes em anular minha aliança contigo e o tudo, mas já desconsiderei. Acreditei que isso me deixaria distante “das coisas de fato”, mas isso não sou eu, isso é bobagem d’outrém. Mas também descobri que preciso de uma língua materna que me abrigue, e que ajude no meu pensar, no seu intumescimento.
Não posso fugir todo tempo... e são tantas coisas tramadas, e tudo às vezes se parece com um nó. Às vezes preciso de umas certezas... só até o corpo aquecer em entrega, depois não tenho problema em me desvencilhar e brincar com a inconstância do mundo.
Agora é quase outono, e eu ignoro o movimento dos astros e dos carros, nada se alia, todos cegos e soltos.
Sinto-me otimista.
Em silêncio te guardo
da sua
Eliane.

Quase-mofo, cheia de março de 2007.

Cara Penélope:


Um estranho veio me falar de amor e memórias. Não estranhei, apenas não pude crer em tudo o que ele falava sobre ti.
Tenho confundido pessoas com paredes, e sei que o mesmo acontece contigo. Não consigo mais com a parede da sala. A gente pensa em muitas coisas: destruir, raspar, colorir, ornamentar; pra que fique a nossa cara.
Tudo bobagem, ora querer curar memórias abertas. Paredes não são pessoas, elas são mais silenciosas quando querem nos destruir.
Mas quem sabe um dia a dor possa curar a dor. Quem sabe é isso que acontece, e eu que não me dou por conta. Estou livre agora.
E será que um dia vou conseguir me despir de mim e brincar no teu mundo?
Que rememorar deixe de ser algo tão cruel.

abraço-Te

Eliane

Sobre ti, noite nublada de fevereiro de 2007.

Cara Cadeira:

Andei pensando em como poderia me comunicar com tudo. Mas vou te contar como isso me ocorreu.Às vezes, ouço pessoas, ao redor de mim, conversando numa língua estrangeira, da qual não reconheço. Por causa do estranhamento, toda vez que isso acontece eu tento capturar esses sons, que soam quase como grunhidos.Mas tem algo do qual venho reparando. Não são somente esses sons “humanos” que me provocam estranhamento, mas vários outros, principalmente os sons que, com muita intensidade e “dificuldade”, intencionam comunicar.
Dia desses, caminhava pela beira, escutava (na seqüência) Sonic Youth, Sigur Rós, Radiohead e Mogwai, somado ao vento e as ondas do mar. Muito ruído, transe, intensidade, e uma vontade enorme de poder conversar com tudo o que sentia... tão grande que havia momentos que ficava surda, surda dos meus pensamentos.Pensava o sentir, e entrei em desespero. Chorei muito, muito. Porra de humanidade! Que língua é essa? O que nos faz crer que há comunicação? O que é isso que movimenta intensamente a ponto de fazer tudo vibrar ?Eu me sentia muito sozinha, a mesma solidão mutante de sempre. Em todos os lugares, com uma nova velha face, escondida atrás das dúvidas. E ela ria, ela e o destino. Sempre riem de mim, e não sei porque insisto em querer amizade com eles... O olhar era estático, havia beleza e leveza. Eu brincava no refluxo, cegava-me na negritude da água. Não quero me unir com gente que não respeita o que sente, não respeita o corpo, corpo-mundo, corpo-seu, corpo-d’outro.
Walking, walking, walking... the lights are on but nobody’s home, everybody wants to be a, everybody wants to be a friend, but nobody wants to be a slave.
O que mesmo eu estava querendo dizer? A quem posso comunicar isso? O que mesmo tudo isso queria me dizer?Talvez nada, mas eu preferi configurar, e ouvi os ruídos, eles diziam pr’eu não me trair. Entendes, enlouquecer. Mas não posso temer a entrega. Tenho fome de mundo, sei que é muito mundo, sou gulosa, vou comer dele, comer de mim. Ruídos grunhidos desesperados por tocar, comunicar. E com um anel desposei o tudo e o nada, o pra sempre e o nunca mais.Por que fiz isso? A pergunta certa é: por que não? Por que não tencionar meu corpo à linha que nos faz calar, e então grunhir como uma pedra-animal-flor-chuva-resto? Dou meu corpo, pra que a terra e todo o resto me coma. Foder com tudo, e silenciar em nada, ainda fodendo. Eu quero construir uma língua contigo. Espero teu consentimento com todos os poros abertos, caso não queiras, emito ruídos e construo um país.
Não dá mais pra esperar, nem desesperar. O amor existe. E quais são os sons do amor?

Te toco,
Eliane