Cata-ventos Lunares: janeiro 2010

O estômago me guia e me traiciona, cheia de janeiro de 2010.

Ponto Alto:

Eu chego ao teu ouvido. Minha respiraçäo é escassa, forte, e imponente. Tenho vontade de viver, muita. Quem vive no alto também tem a mesma força.

Säo pessoas baixas (e para que ser alto quando se está perto das nuvens), que näo se chocam com seus pensamentos. Assim como eu me choco. Tenho me chocado muito. Estou partida em muitas lilis. Até de tamanho, creio, que diminuí.

Mas o sorriso vale mais, sempre vale mais. "la buena onda" como dizem.

Me encontro, desencontro, reencontro. Ainda em constante estado de fronteira.

Dormi em uma caverna. Me abrigou do frio, e me deu a visäo inacreditável do salar de Uyuni (segundo dizem a primeira maravilha do mundo... eu acredito que seja).

Noites de lua e de frio. Já é carnaval nos andes. Muita musica me tira a sensaçäo de tontura e falta de ar...

Me sinto grande... por todas histórias que pontuei em meu caderno, e que preciso escrever...

O melhor de tudo é que vivi tudo, ao máximo.

E assim segue o baile.

Vou a rua dançar com os indigenas andinos.

Nos vemos, ou nos sentimos.

Um abraço

Lili

Morte à civilizaçäo, nova de janeiro de 2010.

Caras Pedras de areia:

Vocês me beijaram, mesclaram-se em minha pele. A Quebrada das Conchas está repleta de duendes. Os habitantes humanos desse lugar säo esses duendes. Também mesclados e beijados por vocês.

E como escutei o silencio, os cantos, os doces timbres de sol e chuva. Conheci nossa mais nova companheira de viagem. A singular Isis. Sobre ela preciso escrever mais um livro.

Percorrer as montanhas, os rios marrons, a busca por cada estrela e constelaçäo que a mim surgia.

Foi uma dor voltar a cidade. Voltar ao egoismo, às paredes, à segurança privada. Quero ir de Salta já. Até porque descobri que meu love story está "me esperando" em Tilcara... e bom... é preciso seguir viagem.

Mas además disso, caras pedras de areia, preciso dizer, o tanto que olhei para seus desenhos talhados pelo vento, para as luzes e as sombras, para as formas e as inconstancias, me deu um horizonte muito além das tuas montanhas. Me reencontrei, e isso foi fantastico.

Chega de adiar a beleza, quero ela aqui, sempre comigo.

Da tua

Lili

O Centro de tudo é o Nada, minguante de janeiro de 2010.

Aos Reclames da Terra:

Hoje säo 23/12. Estou no Terminal de Asunción. Faz calor, e nosso caminho nos leva para mais calor. Näo vejo a hora de mesclar-me na estrada. Viajando de carona e toda mágica. Ônibus me matam.

Terceiro e ultimo dia aqui. A noite de ontem nos presenteou. Mas esse calor... ai, quase nem penso.
Augusto se preocupa com o pouco dinheiro. Agora eu também, mas sei que isso se soluciona, basta movimentar.

A poesia desta cidade é triste.

"Hungry again..."

Sempre faminta
Sempre na busca
da brecha da vida
Onde possa escutar
meu coraçäo.

Onde possa refrescar-me
na verdade
composta de água, terra,
ar, fogo e vento.
e näo papel e números

já näo... näo me desespero
a noite sempre vem.

Manhä/ Natal / 09. A tempestade robou meu sono. A tempestade completa. O seu caos, o seu medo, o seu ruído. Estou na beira de um rio, o qual ainda näo aprendi seu nome, localizado em Herradura, na provincia de Formosa - AR. O porquê e a maneira de como chegamos aqui ainda me parece um pouco absurda e mágica.
O fato é que chegamos para presenciar a tempestade. Sentida de perto, me dando aquela sensaçäo de pequenez, e de confirmaçäo de que sou só (e isso näo é pouco) parte de tudo. Ruidosa, ventosa e bela.
Agora já se foram os humanos ruidosos (que depois passada a tempestade, vieram para manter-me desperta). Creio que agora, ao escutar o vento, e sentir o céu nublado, me permito dormir.

29/12 - madrugada. Dias tranquilos en Herradura. Tranquilos na linha com o tédio. Dizia a Augusto, em uma (das tantas que tivemos) das discussöes, que minha vida está para o extraordinário, e näo para o ordinário. Voltamos a Formosa com o plano de trabalhar no semáforo e em seguida ir para a Estrada ruma à Salta. O extraordinário provindo desse movimento, foi uma segunda averiguaçäo ditatorial e fascista da polícia, enquanto estavamos brincando com algumas crianças. Parece que palhaços säo vistos como demasiado perigosos para a pacata capital de Formosa. Näo conseguimos trabalhar.
O Plano de juntar um pouco de grana nesse dia foi-se à merda. Agora é a vez de Augusto dormir enquanto vigio nossas mochilas.

Estamos na rodoviaria esperando o amanhecer para ir à estrada e dar seguimento ao plano de seguir viagem.

O "bom coraçäo" cristäo da cidade nos permitiu a näo passar fome, mas um bom coraçäo cristäo, como bem se sabe, näo alimenta nada mais que a compaixäo, um bom coraçäo cristäo näo passa de um coraçäo infeliz e hipócrita.

Por sorte a música e as belas paisagens me acompanham. A humanidade está errada, por sorte a vida é maior que esse erro.

P.S.: Popular Songs, de Yo la Tengo, é um acerto dentro da humanidade.

Feliz Ano Novo. Em um lugar onde a velha miséria de cor marrom permanece, é o sítio da "minha virada". Pampa de los Guanacos em Santiago del Estero. Outra vez na fronteira. Essa é entre Chaco, Santa Fé, e Salta.

Recebi o ano novo limpa e nua. Abaixo de uma água que é täo rara e preciosa num lugar como esse. Os últimos dias foram de resistência, como o nome da capital de Chaco, para onde nos deslocamos depois de Formosa.

Essa "coisa" de sobreviver, resistir e rir me seduz nesses lugares esquecidos por todos. O tempo é um eterno domingo. Muita coisa pode acontecer em um ano. A terra dá 365 giros. Meu corpo somente acompanha esses giros. As invençöes do homem pouco ditam sobre a liberdade da maneira de escolher viver a vida. Às vezes me dou por impulso e paixäo. Procuro um esboço, de onde quero chegar mas säo esboços.

Os caminhos sempre säo o que existem de mais interessante e de mais concreto. Chegar é sempre como sonhar que se desperta de um sonho.

Hoje, 5 de janeiro. Ainda na Argentina. Em Salta, Capital. Lugar lindissimo. A cidade dentro de uma panela de montanhas verdes. Muitas histórias. Nos hospedamos na rua. Conhecemos outros viajantes (literalmente e metaforicamente). Nos hospedamos num hotel abandonado. Fudi nesse mesmo hotel. Estou tendo um love story. Hoje me vou, e tchau love story.

Houve Taco Pozo, e o Martin. Estavamos na rodoviaria, ele aparece, todo simplório e lindo, e nos hospeda. Nos leva a conhecer o pouco do muito que era pra ele, aquele lugar. Tenho a brilhante idéia de presentea-lo com um piercing em meio a praça principal. No momento de colocar a jóia, falta luz...
Espero, espero... quando a luz volta, simplesmente a policia está atrás da gente, pedindo nossos documentos. Augusto näo os tem. E com toda paciência do mundo, o policial diz: "Fiquem tranquilos, voltem a rodoviaria, peguem os documentos, e väo até a delegacia, fazer "averiguaçäo"."
O pior, foi que fizemos exatamente isso.
Bom... meia hora depois, de um interrogatório gigante, um dos policiais nos diz para näo andar con "esse tipo", pois é meio "taradinho" (idiota em argentinês) e às vezes le dá de afanar coisas.
Martin, querido, do lado de fora da janela, fazendo senhas, para saber se estava tudo bem... Me deu uma raiva...
O meu protesto foi o amor. Dei todo meu carinho, público, enquanto as pessoas se riam, do "loquinho" e sua nova namorada. Mas igual sentia que precisava fazer isso, retribuir todo amor que ele entregou, de maneira que nenhum desses caipiras conseguiria uma vez na vida.

Assim começou dois mil e dez.

Amor e revoluçäo

da sua parte

Lili