Cata-ventos Lunares: fevereiro 2007

A nossa casa, crescente de fevereiro de 2007.


Caro melhor-amigo:

Há dias tenho conversado com a tua ausência, e então pensei em redigir sobre essas conversas. Há sinais de perigo, bem sabes, mas em carta ao vento, pensei em transformar o desespero em espera, da forma que eu me deixe levar pela correnteza.
Não sinto tristeza nos últimos dias, apenas saudades de ti. Tenho sonhado bastante, principalmente com tua mãe. Ela aparece pra mim quase como um Buda, serena e tão sábia da vida. O passar das horas tem me feito acreditar, apesar do medo, desisti de querer prever. Assim é melhor, se não acabo por chorar demais. Há tanta luz para se banhar, não é?
Encontrei a nossa puta na praia vendendo doces, usando uma saia que mostrava toda a sua linda bunda, me pareceu estar sem calcinha. Ela me cumprimentou, trocamos um lindo sorriso, sem constrangimentos, achei bárbaro. Acabamos nos topando várias vezes sem querer durante o meu passeio com a família... hahaha... foi ótimo, porque enquanto estava tomando sorvete com a minha sobrinha, a minha irmã (puritana), por acaso comprou doces dela... hahaha. Eu amo o senso de humor (negro) da vida.
Cavei fundo, e plantei uma pedra colorida, não sei porque fiz isso, apenas senti vontade que a terra guardasse uma memória minha que não fosse poeira. Ando com vontade de espalhar tesouros pros corajosos que ainda sujam suas mãos de terra. Tirar tudo isso que é meu e não me pertence. Andei pensando em fugir de novo, eu te contei isso em uma das conversas. Na tua ausência tu reagiu um pouco mal, pelo menos não era o que minha imaginação queria, mas nem mesmo minhas fantasias são crias bem mandadas, é difícil ter o controle de tantas crias, não é? Por isso, já nem me espanto tanto quanto antes. Mas voltando ao fugir, é ... eu te contei, e já tinha planejado tudo: tu virias morar aqui, daí eu ia arrumar um emprego no exterior, e sem tu saber, ia passar tudo pro teu nome, e ia embora, e tu só ia saber quando eu estivesse em sampa pronta pra embarcar. Eu ia te ligar, e pedir desculpas, dizer que migrar era um sentimento mais forte.
E não sei, acho que podia ser assim... Eu voltar dois anos depois, com um islandês fluente, e com uma filha adotiva, a Ana Catarina. Hahaha. E foi lindo, porque tu tava muito forte na minha volta, e sozinho, claro, me esperando... hahaha. Estavas mais confiante em ti, mais tranqüilo com a vida. Foi uma boa fuga, esse sonho. Depois não sei, acho que vivemos felizes para sempre, ou eu acabei cansando e dormi.

Para os dias de medo

e aquém dissesse
que
navios não corriam sem vento
eu dei toda razão,
e aquém dissesse
que
sonhar
foi sempre em vão
eu me despeço.

E assim entregue
eu suspeitei
(mas quem me diz? os olhos estão vendados)
e corri para o vento, sonho tormento.

Mas não vou mais te confundir com os meus delírios, está um pouco tarde e fiz uma agenda para amanhã, brincar de compromisso marcado... pra variar um pouco o meu desleixe com a vida adulta.

Forte Abraço,
de quem te ama muito,
Eliane

O mesmo lugar, crescente de fevereiro de 2007.


Caro Vento:

Sem perguntas e lamentos dessa vez, apenas uma boa notícia. Deu certo, os girassóis, mesmo despetalados, giraram pro sol, estou tão excitada por não tê-los decepado. E tem outra coisa também, decidi não mais me unir ao tudo e ao nada, é muito pra mim, eles ainda não sabem, mas logo escreverei noticiando. Sabe, acabei encontrando um lugar na humanidade, pelo menos eu acho. De qualquer forma, apesar de sentir e entender que sou mais um grão de areia entre todo esse lugar, há outras tramas que vibram e também pulsam vida. A coisa tá feia pra essa espécie, e não quero fingir que não sou parte dela. É foda sentir que a palavra humanidade nunca teve muito significado pra mim, mas eu sei o quanto o seu umbiguismo em não crer que também é parte da trama levou muitos seres a esse colapso, e eu sinto, é o ar que eu respiro. E por mais que feche os olhos pro sensacionalismo das pessoas, e tente configurar beleza na sordidez, tem vezes que isso é demais pra mim. O mesmo lugar tem servido de concha pra minha pele, mas não dá mais, todo lugar é mesmo lugar.
Teve as nuvens, há seis luas atrás, ainda estava na estrada com a Biga, eu tentei brincar com elas, tentar ver o máximo de imagens numa só bola de algodão, mas eu só consegui ver o peso delas, quase por despencar do céu. Mas não com a leveza da chuva, mas com dor e ressentimento do chão, das pessoas que entremeiam esses dois espaços. Está tudo tenso, muito tenso, a suavidade do movimento mudou seu sopro. Aliás, já faz um bom tempo que vem mudando (e assim há de ser sempre).
Sei que vais aparecer só na lua que míngua, mas quem sabe, até lá, eu te escreva novamente. Não consigo mais me comunicar através dessas letras por agora.

Bom sonhos,
da sua
Eli.

Esse lugar, crescente de fevereiro de 2007.

Caro Vento:

D’aquilo que insisto em ter como desespero, em teus pés preguiçosos cavo a espera. Então me faço em ti, uma pergunta: será que um dia tudo isso cansará?
E não pergunto mais nada sobre o teu bem estar, ou das saias que te regozija em levantar, a tudo isso assisto, bem sabes. Só que os olhos-poros, que tanto tentam flertar com o tempo, estão trocando de pele. É verão, fim dele, e aquilo que não casou, acaba por abandonar a si próprio. É tempo de troca de fluídos, de transa.
Ontem segui uma lógica semântica, coloquei girassóis para girar sob o sol. Eles murcharam, todos, e em seus lugares ficaram brotos. Pensei em cortar suas cabeças, ainda não estou certa, não é porque elas não possuam pétalas que elas estejam mortas, não é mesmo? Não sei, não sou boa com flores e plantas e animais e humanos e palavras, mas transo, o que é importante, pelo menos foi o que ouvi da última vez que conversamos no mar.
Sobre o casamento, prefiro dizer que seja apenas um noivado. O verão está findando, logo vamos saber o que se há para colher.
Bons Ares.
da sua
Eli