Cata-ventos Lunares: abril 2008

O céu chora, fim de abril de 2008.

Ao longos tentáculos do sono só:

Caminhei infinitas tardes, por lugares decompostos, de uma cidade fantasma. Num mundo onde o apocalipse é contado, aguardado, praguejado, orado, eu saio nos momentos em que a luz é fogo. Não há dor, nem cansaço. Somente na hora do sono estou desconfortável, estou só.

O céu gradeado com cacos e arames farpados, me lembram que sonhar está bem próximo do chão, e há muito não vôo nos meus sonhos... e há muito não sonho.

Contar aos teus olhos
que cantei alto até que a terra
vibrasse

Contar aos teus pêlos
que expirei noites frias
até que o sol morresse.

Contar as tuas rugas
que rasguei os planos
até que a mentira cansasse.


Eu tomo cuidado com o que desejo, pois quero tudo, e me aprazo com o que o nada me dá. Além de vazios, e solidão... o nada me dá "livreza". Não é liberdade, não é tão grave assim, é algo livre, belo, leve e triste. Outros olhos que andavam fechados, semi-cerrados, querem abrir. Tenho uma anomalia em minhas mãos, tenho próteses mecânicas, tenho falares amputados, e prazeres também.

Sigo caminhando, teus tentáculos me fazem sonâmbula.

Convicta de coisas que não sei dizer, me despeço.

da sua
Lili

Clara-crocodilo, crescente de abril de 2008.

Tanto quanto do que falta:

As noites se recriam... pode parecer algo re-dito, mas me parece incrível o quanto enclausuramento e mudança de móveis transformam o mundo. Talvez porque mudam-se as sombras, muda-se os olhos, e os hematomas, antes roxos, agora amarelos.

Bom, o que queria mesmo, era poder te contar o que me passou atravessado hoje. Augusto leu pra mim um romance-cuspe de um amigo, e advinhe... me apaixonei pelo escritor. Ai... dificil. O fato que quero boqueteá-lo, e sei-lá-mais-o-que. Ai... quereres.

Noites que passaram me contagiaram de ganas. Hoje os móveis dançaram em ciranda, faz muitos dias que não saio de dentro de casa. Que não saio mesmo, pois pisar na rua, me embriagar, foder com notas descompassadas... bobagem, isso não é sair de casa, não pelo menos da minha concha.

Sem poéticas. Tenho vinho, tenho suor. Dizia também que é dificil escrever quando feliz. Não dificil, mas não me soa com sangue. Me soa apenas torpor. Eu penso, não existo. Pode ser tudo pura bobagem, a verdade que poucos prazeres não sufocam meu tédio, mas me ocupam por enquanto.

E por enquanto é isso que tenho, sem reclamações. Esse conforto passivo por enquanto ainda não me desmascara.

Gostei do romance-cuspe, não pela história manjada de drogas redentoras de paixões modernetes e perturbadoras... oras, escritores já deviam ter se acostumado com isso. Não existem verdades quando se trata de amor. Gostei do intenso desconforto. Me identifico com isso.

Vamos brincar nas noites de lua.

Da sua

Eliane Rubim

Paredes azuis, abril de 2008.

Escrevi a todos, notifiquei minha ausência. Agora remeto a mim, a carta que própria escrevo.

Cara Eliane:

Era tão profundo o azul da sala, principalmente sobre o que estava deitada. Azul indigo, escuro, marinho, petróleo, turquesa, celeste, florescente.

Escutava Gong pra voltar a superficie, mas esqueci que o azul onde meu corpo estava estendido era escuro.
Via a luz, a escutava também. Aquele giro sonido por trás dos meus ouvidos, aquele sopro contido, dum dia que claramente promete ser quente.
Estou de costas.

Agora vejo as horas, e sei que o dia não acordou pra mim. Faço quarentena da peste que me alegro em ter. Escrevo as cartas, escrevo as cartas. Exercício de escutar e calar. Também ver.

Só haverá outro dia desses, e quem sabe outra cousa se inicia.
Aos pouco voltamos a nos falar, esse é o meu primeiro sinal de fumaça. Ganhar repouso do tudo, me alegrar em ficar com o nada. Fiquei um pouco longe do meu lado, e do seu, mas ainda não nos sopramos as respostas certas, estamos transando, estamos sonhando.

É preciso se entregar minha cara.

Estamos sentindo...

Daquela que é teu amor e tua morte.

Eliane Rubim

Outras cores, nova de abril de 2008.

Meu amor por perto:

Não entendo muito bem como se dão os desencontros, muito menos as certezas de encontros, reencontros e desapegos.

A noite tem vezes que parece um vírus, olho pro lado e já não estamos mais ali. Abro os olhos, estou na mesma cama. Saõ outras cores. Os dias escuros estão de volta.

Eu era uma vagina com dentes, me pediu uma mordida. Depois que soltei sua pele, notei marcas de dentes largos e redondos, como aqueles que noite (outra) dessas sonhei. Era um sorriso branco de dentes grandes (todos) e arredondados. Era algo belo de ver.

Eu o mordi, mas penso que foi algo com veneno, como uma picada, pois assim que ele sentiu, olhei pro lado, e não estavamos mais lá. A distância se deu para o acaso. Isso parece se repetir.

Meu caro, não é estranhamento, o que sinto, é certeza que a vida secou em pó, e agora resta areia entre meus dedos que suam.
Quero barro para criar outros dias.

Bem longe, me despeço

Eliane

Rio Letes, crescente de março de 2008.

Ao que não é eterno:

Poderiamos ter um dia ruim, pois pensamos na miséria, na desigualdade e no cale-se. Pensamos nisso e rimos. O que era dor agora é arte.

Notei novos balanços: a inclinação da rua, a composição de desconfortos por conta da mentira, e o olho novo colado nessas paredes rotas.

“São todas essas questões que temos que pensar um pouco...” - O que isso quer dizer? O dia foi bonito.

A família vai bem. Luiza voltou com as drogas e seus fantasmas. Ah! aconteceu aquele andar estrangeiro, o tempo ajuda algumas coisas ficarem melhores do que antes. O tempo às vezes, persiste. Ele só não existe, eu sei, e fugaz, não é algo que longe de ti, eu conecte.

“Qual é o sentido de tudo isso?” Não serve. Essa é a resposta. Tudo isso, todas essas manifestações de medo, todas essas coisas que giram ao redor, não servem. Elas são. E são muitas, juntas e conectadas.

Daqui, bebo a àgua turva que é calma para sempre. E durmo. Já não sei se sonho, buscar perspectivas não me cabe.

Luiza compremeteu-se a mudar, buscou fazer quarentena de mim, e viajar por um ano pr'outros amores. Ela diz não haver mais luz, e Letes apenas lhe disse calmamente que tudo isso é bobagem.

Em busca de raízes, Alice cai no buraco da árvore.

da sua

Eliane Rubim